O QUE MERECE UM ESTUPRADOR?
Reconhecer a importância desta pergunta é avaliar o merecimento do bandido. E, principalmente, deixar as vítimas em paz.
Essa pergunta é um esforço por fazer emergir uma possível relação entre merecimento e estupro. Problema que emergiu do outro texto ESTUPRO NÃO É QUESTÃO DE MERECIMENTO, que apresentou uma reflexão sobre aquela campanha "não mereço ser estuprada". Quero lembrar que me custa náuseas escrever, aquela chamada daquela campanha, mesmo entre aspas, a repugnância que sinto por aquela frase é grande. Penso nas pessoas que foram estupradas, nas mulheres que sofreram estupro. Então pergunto: o que essa campanha está dizendo sobre mulheres que foram estupradas, para elas mesmas? Pensemos nisso, sejamos mulheres que foram estupradas quando tentamos falar sobre esse assunto. Colocar-se no lugar da/o "outra/o" deveria ser uma prática comum às pessoas que pretendem fazer campanhas como essa.
Numa análise da frase em si, de sua estrutura, e menos da sensação que ela causa, identifico um conflito entre o significado da negação e o fato, a existência do fato: mulheres estupradas existem, o que fazer com o merecimento das mulheres que foram estupradas? Espero que esteja conseguindo me fazer compreender. Essa ideia não deixa espaço para que todos os estupradores possam ser perdoados? Ora, se considerarmos estupro questão de merecimento, elas podem ter merecido o estupro! Socorro! Isso a campanha afirma nas "entrelinhas", é visível que a negação é uma forma eficaz de criarmos armadilhas contra quem dizemos estar defendendo. Então, o que leva a termos dentro de campanhas que deveriam combater estupros uma justificativa para a existência de estupros?
Esse é "um lado da campanha" que "não foi visto" por quem projetou a campanha. Mas, será que não foi visto??? Não seria ingênua em afirmar que é ingenuidade de quem fez a campanha, a criação dessa armadilha sórdida?
Questiono a "inocência " de quem produziu a campanha, e principalmente, quem fez a maldita pesquisa que gerou toda essa situação, ou são os homens brasileiros, em sua maioria, estupradores em potencial? Todos os desdobramentos devem ser considerados. É chegada a hora de lidarmos com a realidade tal qual ela se apresenta.
Então, para a inocência de quem produziu a campanha digo: sabemos que merecer, ou não, sofrer violência (nesse caso, estupro) é comum entre grupos sociais que naturalizam a violência em seus cotidianos, como é o que vive quem está nas prisões, onde a grande maioria são bandidos. Então essa conversa é papo de bandido, e as pessoas que trabalham com esse tipo de campanha estão conscientes disso. Não falo das mulheres que apoiaram, que tiraram as roupas e se fotografaram com a frase escrita num cartaz, frequentemente escondendo as partes mais íntimas de seus corpos, seios e colo, essas mulheres, com certeza, moveram suas ações na tentativa de contribuir numa campanha contra o abominável.
Considerando essa reflexão, pergunto: qual foi o bandido que fez sua conversa virar campanha? A realidade no mundo do crime é definir quem merece, ou não, violência, pois para o "mundo do crime" a violência está naturalizada, mas, nós, que pensamos a vida social a partir do absoluto respeito à dignidade humana, devemos ultrapassar aquela condição miserável do "mundo do crime".
Responder aos resultados infames daquela pesquisa sobre mulheres que vestem roupas provocantes não é justificativa para essa armadilha contra nós mulheres. E, mais uma coisa, faço questão de relacionar essas contradições explícitas ao fato de ter sido atacada, por perfis que se declararam vinculados à campanha, por apresentar uma crítica à tal campanha, que é simplesmente a publicação anterior a esta neste mesmo blog.
Então, não duvido de mais nada, e agora chamo a atenção para responsabilizar quem colocou aquela campanha na rede. Responsabilidade é o mínimo que devemos ter sobre nossos feitos.
O QUE MERECE UM ESTUPRADOR?
Estou propondo outros caminhos para a reflexão, pois, não há dúvida de que a reflexão deve ser outra. Espero que isso esteja mais do que evidente.pois fico pensando nas pessoas que foram estupradas, nas mulheres que sofreram estupro, o que essa campanha está dizendo sobre mulheres que foram estupradas. Existe um conflito entre o significado da negação e o fato. Espero que consigam entender o que estou dizendo. E, justamente por isso, todas os estupradores podem ser perdoados, por que elas podem ter merecido. Isso é conversa de bandido. E as pessoas que estão fazendo essa campanha perderam completamente o bom senso. Para responder aos resultados infames daquela pesquisa sobre mulheres que vestem roupas provocantes, a reflexão deve ser outra. Espero que isso esteja mais do que evidente.
Naquela campanha alguém confundiu o sentido da violência, e apresentou a crítica a uma pesquisa a partir do merecimento das mulheres sobre sofrer um estupro, vale notar que a frase está muito mal construída "não mereço".
Fato é que, violência não é questão de merecimento. Já não temos dúvida sobre isso e espero que possamos entender a naturalização da violência que a própria companha estava veiculando.
Como mulher digo, não foi suportável conviver com aquela campanha, sem fazer alguma coisa para mudar. Espero que as pessoas que estavam trabalhando para realizar a campanha tenham consideração pelo meu esforço, e de todas as outras pessoas que estão aqui, nas redes sociais, preocupadas com o que está sendo veiculado, e passem a respeitar nossas posições. Ataques pessoais são constrangedores e não são produtivos.
Como disse no outro texto, essa conversa sobre merecer, ou não, alguma forma de violência faz parte do vida social entre criminosos. Estamos incorporando o "mundo do crime" em nosso cotidiano?
Como disse, a realidade no mundo do crime é definir quem merece, ou não, violência, pois para o "mundo do crime" a violência está naturalizada, mas, nós, que pensamos a vida social a partir do absoluto respeito à dignidade humana, devemos ultrapassar aquela condição miserável do "mundo do crime". E, quando propomos uma campanha pública, com a qual as pessoas vão "ter que conviver", devemos apresentar outras referências para aquelas pessoas que entendem que violência tem relação com "merecimento" no cotidiano da vida social. Em outras palavras, a "resposta" que essa campanha apresentou para aquela pesquisa sobre a opinião de homens a respeito de "mulheres que usam roupas provocantes", só fez reafirmar a violência.
Por entender e sentir o impacto dessa campanha como um erro, afirmo que estamos no caminho errado, e apresento essa crítica tanto para esta campanha, quanto para as leis brasileiras que tratam sobre os crimes de estupro.
A campanha mostrou, por um lado, que existem mulheres que ingenuamente assimilam a opressão e sugerem que sejam julgadas sobre o fato de merecerem, ou não, serem estupradas. Elas afirmam que não merecem, mas quem está vendo seus corpos nus com frases escritas "não mereço", podem não concordar com elas, e já tive a infelicidade de presenciar uma série de posts e comentários com respostas absurdas à campanha. Por isso afirmo aqui que nós mulheres não devemos nos expor daquela maneira, isso, sim, é ingenuidade. E, se essas mulheres são ingênuas, as pessoas que apresentaram a campanha são, no mínimo, incompetentes.
Estamos vivendo um caos de horror, pois, por outro lado, aquela pesquisa revela que maioria dos homens entrevistados são estupradores em potencial. Espero estar sendo clara e conseguindo me fazer compreender.
Mas, vamos mais longe, vamos propor uma outra (existem muitas outras) orientação para a campanha, vamos discutir o que merece um estuprador, para começar, mas também vamos ampliar e pensar sobre o que significa o estupro, quem pratica o estupro, e... especialmente o que leva os grupos sociais, as comunidades, a praticarem linchamento; que é a mais horrível rejeição social a um indivíduo. Ou seja, o mais alto nível de rejeição social ao convívio com um indivíduo, condená-lo à morte sob tortura um crime hediondo praticado coletivamente.
Muito bem, então vamos tirar o foco do debate sobre as vítimas e passar a pensar em como estamos trabalhando com os criminosos. É nesse sentido que apresento o debate a seguir.
Tenho apresentado um debate sobre o direito de pedir pena de morte para estupradores. Para os mais exaltadas, calma, não estamos a fim de matar pessoas! Mas, devemos considerar a realidade como ela se apresenta. Então, pessoas de bom senso, vamos lembrar que no Brasil e no mundo acontecem, muito frequentemente, linchamentos por estupro.
Então, pensando em desarticular a violência do estupro e a violência gerada pelo estupro, o linchamento, vamos refletir sobre a necessidade de, hoje, as leis abarcarem uma outra ideia de merecimento: o que merece um estuprador? E proponho pensarmos esse merecimento a partir dos grupos sociais, da mais impressionante reação dos grupos sociais contra estupradores:
Estupradores merecem ser linchados?
A questão central, nesse caso, é o que fazemos com a revolta dos grupos sociais. Afinal, as pessoas não praticam linchamentos por que acham bacana, isso é um fato. É muita revolta. Acredito que o respeito aos grupos sociais nos levará a encontrar o melhor caminho. Pois, aquilo que não conseguimos resolver individualmente, entendo que deve ser resolvido para o que está além de nós, ou seja, os grupos sociais devem nos ajudar a encontrar o caminho, partindo do estudo dos diversos casos de linchamento contra estupradores, inclusive nas cadeias.
Como antropóloga reconheço que a revolta dos grupos sociais é sempre legítima. As determinações dos grupos sociais que precisam alcançar uma condição de continuidade para a vida social do grupo devem ser respeitadas e reconhecidas pelos outros grupos, especialmente quando já está definido no cotidiano das relações sociais que não se pode conter um determinado tipo de ação dos grupos, como é o caso dos linchamentos. Em outras palavras, estou afirmando que os linchamentos são estratégia dos grupos para sua própria sobrevivência. Ou seja, para os grupos que praticam o linchamento a vida social do próprio grupo é ameaçada pela vida do estuprador, quero dizer que os linchamentos só acontecem por que é insuportável a presença de estupros nesses grupos.
Mas, o que estamos fazendo com o fato desses grupos não suportarem a presença de estupradores nos termos da legislação brasileira? Estamos negando o direito dos grupos pedirem por pena de morte para estupradores. Suponho que já deva ser possível compreender um pouco sobre o quanto temos contribuído, através das leis e do pensamento impresso nas campanhas e pesquisas, para que o cenário dos estupros seja, hoje, tal qual ele se apresenta: um horror, e digo isso como mulher.
Chamando a atenção para a realidade vivida por grupos sociais e comunidades no cotidiano, como antropóloga, proponho que reconheçamos nossa realidade, respeitemos nossas limitações enquanto Estado Nacional e dialoguemos com a condição da vida cotidiana dos grupos sociais, por isso defendo que, imediatamente, as leis estatais permitam o reconhecimento da legitimidade da revolta social contra estupradores e incorporem o julgamento sobre a vida ou a morte de estupradores em instâncias do direito legal, por um lado, para evitar que isso aconteça como um espetáculo do horror no cotidiano dos grupos sociais no Brasil; por outro para aliviar a tensão cotidiana vivida nos grupos sociais que lutam por sobreviver com o mínimo de dignidade, pois os linchamentos, enquanto espetáculos de horror, tem por propósito deixar evidente o que são capazes de fazer aquelas pessoas que não suportam esse tipo de crime. Ou seja, o espetáculo é para desencorajar estupradores.
Então, se existe a necessidade dos grupos sociais de condenarem estupradores à morte num espetáculo de horror, que são os linchamentos, entendo que o Estado Brasileiro, que se propõe a reunir em suas leis a previsão das respostas necessárias à orientação mínima da vida social dos diversos grupos, de um lado, deve considerar a falta de controle sobre os linchamentos, e de outro, deve ter como referência fundamental o respeito mínimo à dignidade humana, conforme entendida pela população brasileira, pelas comunidades, nos diversos grupos sociais.
Para afirmar isso aponto que: o que dá razão de existirem os estudos em antropologia sobre estratégias dos grupos para a proteção da vida social dentro dos próprios grupos, deve servir de apoio para orientarmos nas dimensões sociológicas mais amplas, como é o caso das leis dos estados nacionais, a difícil trama que envolve esse palco de horrores.
A revolta dos grupos sociais que praticam o linchamento é algo que tem se mostrado superior às instituições públicas que pretendem garantir a paz, a segurança e a tranquilidade da vida social, quero dizer: hoje não conseguimos impedir que linchamentos aconteçam, esta condição é determinante para minha defesa sobre criarmos espaço para o julgamento e condenação de estupradores à morte, ao invés de deixar que isso aconteça de modo a intensificar o horror da violência no cotidiano das comunidades brasileiras.
Nesse sentido, incorporar o julgamento à pena de morte para estupradores serve para evitar linchamentos, significa dar o direito às vítimas, e a seus grupos sociais de pertença, a pedir por pena de morte para esse tipo de criminoso. Entendo que este é um caminho para lidar com a realidade tal qual se apresenta, de modo a contribuir para evitar mais violência, e também para que os preceitos dos grupos sociais sobre respeito mínimo à dignidade humana, sejam respeitados, considerados e tomados por referência para a legislação brasileira.
A ideia da pena de morte ultrapassa posições individuais, é possível entender que esse tipo de coisa não se pode pretender resolver homogeneizando um padrão de reação das vítimas e de seus grupos de pertença. Por isso a ideia é trazer a voz dos grupos sociais que sofrem estupros. E proponho que consideremos também que a forma mais horrenda de rejeição social é o linchamento, e o tipo de crime mais frequentemente associado a linchamentos são os crimes por estupro. Portanto, quando ignoramos o sofrimento dos grupos sociais, estamos produzindo um mal estar que tende a crescer como uma avalanche. A falta de respeito é contra mulheres e contra seus grupos sociais.
Assim, entendo que nós, na nossa "superioridade" reflexiva, nos sentimos no direito de impor aos grupos sociais uma sobrevida moral. Esse pensamento que esmaga os grupos sociais em nome de uma performance moral, consequentemente hipócrita, é conhecido desde o início dos processos de colonização. É chegada a hora de assumir nossas incompetências. Portanto, se não existe uma maneira de ultrapassar esse processo por uma estratégia homogeneizadora: cada vítima de estupro, e cada grupo social ao qual uma vítima pertence, devem saber da necessidade de pedir por condenação de estupradores à pena de morte. Para que isso acontece a lei deve prescrever esse entendimento.
Considerando essa análise, de outro jeito, prezadas/os, estamos roubando dos grupos sociais seu direito à legitimidade ao responder à violência contra uma concepção de direito e dignidade da pessoa humana que sustenta a vida desses grupos, e, em consequência disso, as leis do estado estão criando um sistema de convulsão social que, de um lado, explode em mais violência através de linchamentos e estupros coletivos em prisões; de outro lado, legitima estupros contra pessoas e, sobretudo, contra os grupos sociais, ao não dar espaço legítimo para esses grupos reclamarem o que consideram seus direitos. Daí, temos a necessidade imediata de mudar a lei dando direito a pedir pela condenação à pena de morte para estupradores.
Estuprador não vale a própria vida, é o que definem os linchamentos
Linchamentos são reais, existem, são fatos, e uma campanha que proponha sobre a mudança na lei, para que as vítimas e grupos de pertença das vítimas (famílias, comunidades) possam pedir por pena de morte para estupradores, orienta as revoltas contra esse tipo de crime de um outro jeito: faz do direito de pedir por pena morte para estupradores, uma reflexão sobre o quanto é insuportável conviver com estupradores.
Refletir sobre o quanto é insuportável conviver com estupradores nos leva a ultrapassar a violência e entrar no campo do direito, do juízo, da consciência sobre o drama físico, psíquico e social vivido pela violência sexual, seja ela contra quem for.
Quais as leis que julgam e condenam estupradores a linchamentos?
Faz parte da nossa realidade o fato do Estado não conseguir conter os linchamentos. Cada linchamento se apresenta como uma "alternativa" dos grupos sociais para "resolver" o que o Estado não está tendo capacidade de resolver. Então criar espaço para a condenação à pena de morte para estupradores em instâncias legais, é uma estratégia coerente para orientarmos o fato.
Peço, por favor, ajudem a mudar essa situação, a desmobilizar aquela campanha, a assumirmos as implicações que nossas posições têm hoje com esses resultados catastróficos, conforme se apresentam. Vamos orientar a questão noutro sentido.
Como mulher digo que é insuportável conviver com aquela campanha. Dá vontade de fugir das redes sociais para não ver esse tipo de entendimento, o lugar no qual estão sendo colocadas as mulheres. Nós não merecemos conviver com aquele tipo de ideia expressa na campanha. Estupro e violência nada tem a ver com merecimento.
Infelizmente, relacionar estupro com merecimento numa campanha só evidencia o quanto, de fato, essa relação da violência com merecimento está sendo naturalizada. Mas, com o apoio das pessoas amigas, posso dizer num tom de boas expectativas para um futuro sempre melhor: vamos fazer o melhor e aproveitar o fato dessa ideia ter vindo à tona. Muitas de nós não percebíamos as dimensões dessa relação da violência com merecimento já inculcada nas nossas cabeças, a ponto de apoiar uma campanha dessas. Minhas amigas, queridas, dignas, nós não merecemos essa campanha. Vamos nos perguntar sobre o que um estuprador merece, esse é o nosso ponto.
Enfim, mais aliviada depois de escrever esse texto, já recebi algumas palavras agressivas, já tive postagens deletadas, já tive que bloquear fakes e perfis de gente que não gosta de receber críticas, mesmo que isso custe a dignidade de nós, mulheres. Tenso, mas já foi pior, houve o tempo em que a violência era tão legitimada que, se quer, vinha à tona. Então, posso dizer que esse debate está servindo para superar a opressão da violência contra a mulher como condição da vida social humana e, por outro lado, do respeito à vida social mais cotidiana que se sente ameaçada por esse tipo de crime.
Que estupradores sejam julgados neste momento, aqui e agora, com ou sem linchamentos.
Permitir que as pessoas que sofreram esse tipo de violência tenham o direito de se posicionar diante da justiça requerendo o que acreditam que estupradores merecem é o caminho do respeito, especialmente quando vivemos numa sociedade onde esse crime é condenado à linchamentos, no cotidiano das comunidades, ou ainda, são vingados os seus crimes, impiedosamente, quando vão para dentro das cadeias.
Que o caminho da justiça e da dignidade é seguido pelos pés do respeito recíproco sob poderes compartilhados em igual direito. Vamos ouvir os grupos sociais.
Reconhecer a importância desta pergunta é avaliar o merecimento do bandido. E, principalmente, deixar as vítimas em paz.
Essa pergunta é um esforço por fazer emergir uma possível relação entre merecimento e estupro. Problema que emergiu do outro texto ESTUPRO NÃO É QUESTÃO DE MERECIMENTO, que apresentou uma reflexão sobre aquela campanha "não mereço ser estuprada". Quero lembrar que me custa náuseas escrever, aquela chamada daquela campanha, mesmo entre aspas, a repugnância que sinto por aquela frase é grande. Penso nas pessoas que foram estupradas, nas mulheres que sofreram estupro. Então pergunto: o que essa campanha está dizendo sobre mulheres que foram estupradas, para elas mesmas? Pensemos nisso, sejamos mulheres que foram estupradas quando tentamos falar sobre esse assunto. Colocar-se no lugar da/o "outra/o" deveria ser uma prática comum às pessoas que pretendem fazer campanhas como essa.
Numa análise da frase em si, de sua estrutura, e menos da sensação que ela causa, identifico um conflito entre o significado da negação e o fato, a existência do fato: mulheres estupradas existem, o que fazer com o merecimento das mulheres que foram estupradas? Espero que esteja conseguindo me fazer compreender. Essa ideia não deixa espaço para que todos os estupradores possam ser perdoados? Ora, se considerarmos estupro questão de merecimento, elas podem ter merecido o estupro! Socorro! Isso a campanha afirma nas "entrelinhas", é visível que a negação é uma forma eficaz de criarmos armadilhas contra quem dizemos estar defendendo. Então, o que leva a termos dentro de campanhas que deveriam combater estupros uma justificativa para a existência de estupros?
Esse é "um lado da campanha" que "não foi visto" por quem projetou a campanha. Mas, será que não foi visto??? Não seria ingênua em afirmar que é ingenuidade de quem fez a campanha, a criação dessa armadilha sórdida?
Questiono a "inocência " de quem produziu a campanha, e principalmente, quem fez a maldita pesquisa que gerou toda essa situação, ou são os homens brasileiros, em sua maioria, estupradores em potencial? Todos os desdobramentos devem ser considerados. É chegada a hora de lidarmos com a realidade tal qual ela se apresenta.
Então, para a inocência de quem produziu a campanha digo: sabemos que merecer, ou não, sofrer violência (nesse caso, estupro) é comum entre grupos sociais que naturalizam a violência em seus cotidianos, como é o que vive quem está nas prisões, onde a grande maioria são bandidos. Então essa conversa é papo de bandido, e as pessoas que trabalham com esse tipo de campanha estão conscientes disso. Não falo das mulheres que apoiaram, que tiraram as roupas e se fotografaram com a frase escrita num cartaz, frequentemente escondendo as partes mais íntimas de seus corpos, seios e colo, essas mulheres, com certeza, moveram suas ações na tentativa de contribuir numa campanha contra o abominável.
Considerando essa reflexão, pergunto: qual foi o bandido que fez sua conversa virar campanha? A realidade no mundo do crime é definir quem merece, ou não, violência, pois para o "mundo do crime" a violência está naturalizada, mas, nós, que pensamos a vida social a partir do absoluto respeito à dignidade humana, devemos ultrapassar aquela condição miserável do "mundo do crime".
Responder aos resultados infames daquela pesquisa sobre mulheres que vestem roupas provocantes não é justificativa para essa armadilha contra nós mulheres. E, mais uma coisa, faço questão de relacionar essas contradições explícitas ao fato de ter sido atacada, por perfis que se declararam vinculados à campanha, por apresentar uma crítica à tal campanha, que é simplesmente a publicação anterior a esta neste mesmo blog.
Então, não duvido de mais nada, e agora chamo a atenção para responsabilizar quem colocou aquela campanha na rede. Responsabilidade é o mínimo que devemos ter sobre nossos feitos.
O QUE MERECE UM ESTUPRADOR?
Estou propondo outros caminhos para a reflexão, pois, não há dúvida de que a reflexão deve ser outra. Espero que isso esteja mais do que evidente.pois fico pensando nas pessoas que foram estupradas, nas mulheres que sofreram estupro, o que essa campanha está dizendo sobre mulheres que foram estupradas. Existe um conflito entre o significado da negação e o fato. Espero que consigam entender o que estou dizendo. E, justamente por isso, todas os estupradores podem ser perdoados, por que elas podem ter merecido. Isso é conversa de bandido. E as pessoas que estão fazendo essa campanha perderam completamente o bom senso. Para responder aos resultados infames daquela pesquisa sobre mulheres que vestem roupas provocantes, a reflexão deve ser outra. Espero que isso esteja mais do que evidente.
Naquela campanha alguém confundiu o sentido da violência, e apresentou a crítica a uma pesquisa a partir do merecimento das mulheres sobre sofrer um estupro, vale notar que a frase está muito mal construída "não mereço".
Fato é que, violência não é questão de merecimento. Já não temos dúvida sobre isso e espero que possamos entender a naturalização da violência que a própria companha estava veiculando.
Como mulher digo, não foi suportável conviver com aquela campanha, sem fazer alguma coisa para mudar. Espero que as pessoas que estavam trabalhando para realizar a campanha tenham consideração pelo meu esforço, e de todas as outras pessoas que estão aqui, nas redes sociais, preocupadas com o que está sendo veiculado, e passem a respeitar nossas posições. Ataques pessoais são constrangedores e não são produtivos.
Como disse no outro texto, essa conversa sobre merecer, ou não, alguma forma de violência faz parte do vida social entre criminosos. Estamos incorporando o "mundo do crime" em nosso cotidiano?
Como disse, a realidade no mundo do crime é definir quem merece, ou não, violência, pois para o "mundo do crime" a violência está naturalizada, mas, nós, que pensamos a vida social a partir do absoluto respeito à dignidade humana, devemos ultrapassar aquela condição miserável do "mundo do crime". E, quando propomos uma campanha pública, com a qual as pessoas vão "ter que conviver", devemos apresentar outras referências para aquelas pessoas que entendem que violência tem relação com "merecimento" no cotidiano da vida social. Em outras palavras, a "resposta" que essa campanha apresentou para aquela pesquisa sobre a opinião de homens a respeito de "mulheres que usam roupas provocantes", só fez reafirmar a violência.
Por entender e sentir o impacto dessa campanha como um erro, afirmo que estamos no caminho errado, e apresento essa crítica tanto para esta campanha, quanto para as leis brasileiras que tratam sobre os crimes de estupro.
A campanha mostrou, por um lado, que existem mulheres que ingenuamente assimilam a opressão e sugerem que sejam julgadas sobre o fato de merecerem, ou não, serem estupradas. Elas afirmam que não merecem, mas quem está vendo seus corpos nus com frases escritas "não mereço", podem não concordar com elas, e já tive a infelicidade de presenciar uma série de posts e comentários com respostas absurdas à campanha. Por isso afirmo aqui que nós mulheres não devemos nos expor daquela maneira, isso, sim, é ingenuidade. E, se essas mulheres são ingênuas, as pessoas que apresentaram a campanha são, no mínimo, incompetentes.
Estamos vivendo um caos de horror, pois, por outro lado, aquela pesquisa revela que maioria dos homens entrevistados são estupradores em potencial. Espero estar sendo clara e conseguindo me fazer compreender.
Mas, vamos mais longe, vamos propor uma outra (existem muitas outras) orientação para a campanha, vamos discutir o que merece um estuprador, para começar, mas também vamos ampliar e pensar sobre o que significa o estupro, quem pratica o estupro, e... especialmente o que leva os grupos sociais, as comunidades, a praticarem linchamento; que é a mais horrível rejeição social a um indivíduo. Ou seja, o mais alto nível de rejeição social ao convívio com um indivíduo, condená-lo à morte sob tortura um crime hediondo praticado coletivamente.
Muito bem, então vamos tirar o foco do debate sobre as vítimas e passar a pensar em como estamos trabalhando com os criminosos. É nesse sentido que apresento o debate a seguir.
Tenho apresentado um debate sobre o direito de pedir pena de morte para estupradores. Para os mais exaltadas, calma, não estamos a fim de matar pessoas! Mas, devemos considerar a realidade como ela se apresenta. Então, pessoas de bom senso, vamos lembrar que no Brasil e no mundo acontecem, muito frequentemente, linchamentos por estupro.
Então, pensando em desarticular a violência do estupro e a violência gerada pelo estupro, o linchamento, vamos refletir sobre a necessidade de, hoje, as leis abarcarem uma outra ideia de merecimento: o que merece um estuprador? E proponho pensarmos esse merecimento a partir dos grupos sociais, da mais impressionante reação dos grupos sociais contra estupradores:
Estupradores merecem ser linchados?
A questão central, nesse caso, é o que fazemos com a revolta dos grupos sociais. Afinal, as pessoas não praticam linchamentos por que acham bacana, isso é um fato. É muita revolta. Acredito que o respeito aos grupos sociais nos levará a encontrar o melhor caminho. Pois, aquilo que não conseguimos resolver individualmente, entendo que deve ser resolvido para o que está além de nós, ou seja, os grupos sociais devem nos ajudar a encontrar o caminho, partindo do estudo dos diversos casos de linchamento contra estupradores, inclusive nas cadeias.
Como antropóloga reconheço que a revolta dos grupos sociais é sempre legítima. As determinações dos grupos sociais que precisam alcançar uma condição de continuidade para a vida social do grupo devem ser respeitadas e reconhecidas pelos outros grupos, especialmente quando já está definido no cotidiano das relações sociais que não se pode conter um determinado tipo de ação dos grupos, como é o caso dos linchamentos. Em outras palavras, estou afirmando que os linchamentos são estratégia dos grupos para sua própria sobrevivência. Ou seja, para os grupos que praticam o linchamento a vida social do próprio grupo é ameaçada pela vida do estuprador, quero dizer que os linchamentos só acontecem por que é insuportável a presença de estupros nesses grupos.
Mas, o que estamos fazendo com o fato desses grupos não suportarem a presença de estupradores nos termos da legislação brasileira? Estamos negando o direito dos grupos pedirem por pena de morte para estupradores. Suponho que já deva ser possível compreender um pouco sobre o quanto temos contribuído, através das leis e do pensamento impresso nas campanhas e pesquisas, para que o cenário dos estupros seja, hoje, tal qual ele se apresenta: um horror, e digo isso como mulher.
Chamando a atenção para a realidade vivida por grupos sociais e comunidades no cotidiano, como antropóloga, proponho que reconheçamos nossa realidade, respeitemos nossas limitações enquanto Estado Nacional e dialoguemos com a condição da vida cotidiana dos grupos sociais, por isso defendo que, imediatamente, as leis estatais permitam o reconhecimento da legitimidade da revolta social contra estupradores e incorporem o julgamento sobre a vida ou a morte de estupradores em instâncias do direito legal, por um lado, para evitar que isso aconteça como um espetáculo do horror no cotidiano dos grupos sociais no Brasil; por outro para aliviar a tensão cotidiana vivida nos grupos sociais que lutam por sobreviver com o mínimo de dignidade, pois os linchamentos, enquanto espetáculos de horror, tem por propósito deixar evidente o que são capazes de fazer aquelas pessoas que não suportam esse tipo de crime. Ou seja, o espetáculo é para desencorajar estupradores.
Então, se existe a necessidade dos grupos sociais de condenarem estupradores à morte num espetáculo de horror, que são os linchamentos, entendo que o Estado Brasileiro, que se propõe a reunir em suas leis a previsão das respostas necessárias à orientação mínima da vida social dos diversos grupos, de um lado, deve considerar a falta de controle sobre os linchamentos, e de outro, deve ter como referência fundamental o respeito mínimo à dignidade humana, conforme entendida pela população brasileira, pelas comunidades, nos diversos grupos sociais.
Para afirmar isso aponto que: o que dá razão de existirem os estudos em antropologia sobre estratégias dos grupos para a proteção da vida social dentro dos próprios grupos, deve servir de apoio para orientarmos nas dimensões sociológicas mais amplas, como é o caso das leis dos estados nacionais, a difícil trama que envolve esse palco de horrores.
A revolta dos grupos sociais que praticam o linchamento é algo que tem se mostrado superior às instituições públicas que pretendem garantir a paz, a segurança e a tranquilidade da vida social, quero dizer: hoje não conseguimos impedir que linchamentos aconteçam, esta condição é determinante para minha defesa sobre criarmos espaço para o julgamento e condenação de estupradores à morte, ao invés de deixar que isso aconteça de modo a intensificar o horror da violência no cotidiano das comunidades brasileiras.
Nesse sentido, incorporar o julgamento à pena de morte para estupradores serve para evitar linchamentos, significa dar o direito às vítimas, e a seus grupos sociais de pertença, a pedir por pena de morte para esse tipo de criminoso. Entendo que este é um caminho para lidar com a realidade tal qual se apresenta, de modo a contribuir para evitar mais violência, e também para que os preceitos dos grupos sociais sobre respeito mínimo à dignidade humana, sejam respeitados, considerados e tomados por referência para a legislação brasileira.
A ideia da pena de morte ultrapassa posições individuais, é possível entender que esse tipo de coisa não se pode pretender resolver homogeneizando um padrão de reação das vítimas e de seus grupos de pertença. Por isso a ideia é trazer a voz dos grupos sociais que sofrem estupros. E proponho que consideremos também que a forma mais horrenda de rejeição social é o linchamento, e o tipo de crime mais frequentemente associado a linchamentos são os crimes por estupro. Portanto, quando ignoramos o sofrimento dos grupos sociais, estamos produzindo um mal estar que tende a crescer como uma avalanche. A falta de respeito é contra mulheres e contra seus grupos sociais.
Assim, entendo que nós, na nossa "superioridade" reflexiva, nos sentimos no direito de impor aos grupos sociais uma sobrevida moral. Esse pensamento que esmaga os grupos sociais em nome de uma performance moral, consequentemente hipócrita, é conhecido desde o início dos processos de colonização. É chegada a hora de assumir nossas incompetências. Portanto, se não existe uma maneira de ultrapassar esse processo por uma estratégia homogeneizadora: cada vítima de estupro, e cada grupo social ao qual uma vítima pertence, devem saber da necessidade de pedir por condenação de estupradores à pena de morte. Para que isso acontece a lei deve prescrever esse entendimento.
Considerando essa análise, de outro jeito, prezadas/os, estamos roubando dos grupos sociais seu direito à legitimidade ao responder à violência contra uma concepção de direito e dignidade da pessoa humana que sustenta a vida desses grupos, e, em consequência disso, as leis do estado estão criando um sistema de convulsão social que, de um lado, explode em mais violência através de linchamentos e estupros coletivos em prisões; de outro lado, legitima estupros contra pessoas e, sobretudo, contra os grupos sociais, ao não dar espaço legítimo para esses grupos reclamarem o que consideram seus direitos. Daí, temos a necessidade imediata de mudar a lei dando direito a pedir pela condenação à pena de morte para estupradores.
Estuprador não vale a própria vida, é o que definem os linchamentos
Linchamentos são reais, existem, são fatos, e uma campanha que proponha sobre a mudança na lei, para que as vítimas e grupos de pertença das vítimas (famílias, comunidades) possam pedir por pena de morte para estupradores, orienta as revoltas contra esse tipo de crime de um outro jeito: faz do direito de pedir por pena morte para estupradores, uma reflexão sobre o quanto é insuportável conviver com estupradores.
Refletir sobre o quanto é insuportável conviver com estupradores nos leva a ultrapassar a violência e entrar no campo do direito, do juízo, da consciência sobre o drama físico, psíquico e social vivido pela violência sexual, seja ela contra quem for.
Quais as leis que julgam e condenam estupradores a linchamentos?
Faz parte da nossa realidade o fato do Estado não conseguir conter os linchamentos. Cada linchamento se apresenta como uma "alternativa" dos grupos sociais para "resolver" o que o Estado não está tendo capacidade de resolver. Então criar espaço para a condenação à pena de morte para estupradores em instâncias legais, é uma estratégia coerente para orientarmos o fato.
Peço, por favor, ajudem a mudar essa situação, a desmobilizar aquela campanha, a assumirmos as implicações que nossas posições têm hoje com esses resultados catastróficos, conforme se apresentam. Vamos orientar a questão noutro sentido.
Como mulher digo que é insuportável conviver com aquela campanha. Dá vontade de fugir das redes sociais para não ver esse tipo de entendimento, o lugar no qual estão sendo colocadas as mulheres. Nós não merecemos conviver com aquele tipo de ideia expressa na campanha. Estupro e violência nada tem a ver com merecimento.
Infelizmente, relacionar estupro com merecimento numa campanha só evidencia o quanto, de fato, essa relação da violência com merecimento está sendo naturalizada. Mas, com o apoio das pessoas amigas, posso dizer num tom de boas expectativas para um futuro sempre melhor: vamos fazer o melhor e aproveitar o fato dessa ideia ter vindo à tona. Muitas de nós não percebíamos as dimensões dessa relação da violência com merecimento já inculcada nas nossas cabeças, a ponto de apoiar uma campanha dessas. Minhas amigas, queridas, dignas, nós não merecemos essa campanha. Vamos nos perguntar sobre o que um estuprador merece, esse é o nosso ponto.
Enfim, mais aliviada depois de escrever esse texto, já recebi algumas palavras agressivas, já tive postagens deletadas, já tive que bloquear fakes e perfis de gente que não gosta de receber críticas, mesmo que isso custe a dignidade de nós, mulheres. Tenso, mas já foi pior, houve o tempo em que a violência era tão legitimada que, se quer, vinha à tona. Então, posso dizer que esse debate está servindo para superar a opressão da violência contra a mulher como condição da vida social humana e, por outro lado, do respeito à vida social mais cotidiana que se sente ameaçada por esse tipo de crime.
Que estupradores sejam julgados neste momento, aqui e agora, com ou sem linchamentos.
Permitir que as pessoas que sofreram esse tipo de violência tenham o direito de se posicionar diante da justiça requerendo o que acreditam que estupradores merecem é o caminho do respeito, especialmente quando vivemos numa sociedade onde esse crime é condenado à linchamentos, no cotidiano das comunidades, ou ainda, são vingados os seus crimes, impiedosamente, quando vão para dentro das cadeias.
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