Este é um dos textos que preparei para apresentar na aula pública, que não realizei, para o concurso do Museu Nacional, edital 312, que aconteceu na semana passada, 16-20 de setembro.
É certo que mencionei os Apinajé, onde deveria mencionar Gavião, num comentário entre parênteses citando a presença de Roberto DaMatta, quando falava da pesquisa de Laraia com os Suruí. É certo que não respondi uma das duas questões, pois não havia estudado cultura popular na America, o ponto para cultura popular não tinha uma limitação geográfica, e eu, inexperiente, não contava com a possibilidade de um recorte específico. Certo também é que concorria com duas pessoas que fizeram pesquisas na Colômbia e no Perú. Se estudar para o concurso, no meu caso foi insuficiente, também minhas pesquisas não ajudaram com esse elemento supresa.
Tendo tantas faltas como certas, fui reprovada na primeira prova e conversarei sobre essa questão com o presidente da banca de avaliação no próximo mês. O que será uma satisfação para mim.
Vamos aproveitar, então, publico os textos que escrevi. Estive envolvida com esses textos no último mês, publicar, ainda que de modo tão despretencioso, num blog a ser divulgado entre amigas/os, isso nos faz ganhar fôlego. Minha trajetória continua, e quero fazer o que gosto num espaço com plenas condições para tanto. Continuemos! A vida urge.
Bem, os pontos foram tornando-se cada vez mais interessantes, na medida em que buscava reflexões para cada um deles a partir da ideia de que a antropologia é relação social, política, econômica. Essa orientação para a superação da fronteira sujeito/objeto tem me escolhido para sentir e pensar. Quero dizer que não consigo pensar em antropologia ignorando esse desejo de objetificar nossa produção intelectual a partir de nossos próprios termos, por uma antropologia simétrica, para além de hierarquias e cisões disciplinares.
Tenho me dedicado a isso, afinal, a antropologia está implicada politica e economicamente nas pesquisas que desenvolvemos, como um conjunto de regras de um jogo específico que mistura interesses de alguns grupos sociais que se entendem exclusivos e excludentes. Um jogo de poder que precisa ser pensado compreendido, especialmente a partir da contribuição dos grupos e pessoas com as quais trabalhos. Tomo como modelo o que desenvolvi em minha própria tese, exigência das/os Pajés, Yalorixás e Babalorixás com as/os quais trabalhei.
Publico os textos para amigas/os. A ideia dos textos está pronta, mas estou tomando fôlego, de verdade! É claro que preciso incluir alguns debates de autores específicos como o Bruno Latour e sua "Vida de Laboratório", uma etnografia da vida de pesquisadores, cientistas, em seus laboratórios. No mínimo interessante, para mim é inspirador. Outros autores também devem ser citados. Bem, vou publicando aos poucos e com a pretensão de reunir um conjunto razoável de textos que me inspire à continuidade, aberta às críticas e aos debates.
Os pontos de prova são minha fonte de inspiração. Escrevi breves textos para os seguintes assuntos:
1. Teoria
antropológica.
2. Parentesco,
organização social e política.
3. Rituais e
simbolismo.
4. Antropologia das
instituições de conservação cultural.
5. História da Antropologia no Brasil.
6. Cultura, território e recursos ambientais.
7. Etnicidade e movimentos étnicos.
8. Mudanças e transformações socioculturais.
9. Coleções, colecionadores e artes étnicas.
10. Patrimônio material e imaterial.
11. Etnologia indígena.
12. Estudos afro-brasileiros.
13. Culturas populares.
Alguns assuntos se encontram e se interelacionam de modo evidente. Esses eram também os pontos da prova escrita que citei acima, foram sorteados três 8, 11 e 13; a partir deles foram elaboradas duas perguntas.
Ilustre comissão julgadora, prezadas/os
colegas e amigas/os, é com satisfação que apresento minha proposta de reflexão a
estudiosas/os do campo de pesquisas para o qual tenho dedicado minha atenção e
cuidado. Campo de estudos que entendo ter neste Museu Nacional o mais
importante espaço de produção de conhecimento para a antropologia em nosso país[1].
A importância do Museu Nacional hoje, a
mim parece estar sustentada por dois pilares fundamentais; por um lado, do
conjunto de instrumentos institucionais que reúne referências históricas que
constituem o pensamento científico e disciplinar em nosso país e mundo hoje; por
outro, das contribuições reflexivas, pesquisas e diálogos, contribuições fomentadas
por ilustres pesquisadoras/es, as quais são fonte para orientar nossas respostas
a questões emergentes, sempre, simultaneamente, contemporâneas e historicamente
enraizadas.
Essa declaração sobre a importância de
nosso tempo e lugar é comprometida de minha parte enquanto sujeito social. O
debate que trago é um esforço por fazer pertinente a análise da produção de
conhecimento em antropologia enquanto produção de relações sociais, e colocar a
nós, pesquisadoras, funcionárias, curadoras, estudantes, como parte analisável
da reflexão.
Proponho este debate acima de tudo, por acreditar mais no potencial das estratégias de análise da disciplina do que no jogo político pressuposto por nossas práticas teóricas, metodológicas, presentes na relação sujeito/objeto do conhecimento; que nos torna, antropólogas e “outras”, nativas nesta relação. Trata-se de uma antropologia submissa, portanto, à análise disciplinar, ou seja, nos mesmos termos que usamos para analisar a vida social em grupos diversos, analisemos, pois, as relações sociais que fazem existir a disciplina Antropologia, assim como, analisemos as relações sociais que a disciplina torna existentes. Quero dizer: analisemos a antropologia enquanto produção de relações sociais, políticas, econômicas, estéticas, entre outras dimensões da vida social eleitas para recorte de nossas análises sobre grupos sociais diversos, em diversos lugares no mundo, e, especialmente, o Museu Nacional enquanto espaço de produção de relações sociais, empregando nessa análise as referências que utilizamos para apresentar diferentes modos de vida social. Pensemos o museu a partir de uma orientação própria à análise etnográfica.
Proponho este debate acima de tudo, por acreditar mais no potencial das estratégias de análise da disciplina do que no jogo político pressuposto por nossas práticas teóricas, metodológicas, presentes na relação sujeito/objeto do conhecimento; que nos torna, antropólogas e “outras”, nativas nesta relação. Trata-se de uma antropologia submissa, portanto, à análise disciplinar, ou seja, nos mesmos termos que usamos para analisar a vida social em grupos diversos, analisemos, pois, as relações sociais que fazem existir a disciplina Antropologia, assim como, analisemos as relações sociais que a disciplina torna existentes. Quero dizer: analisemos a antropologia enquanto produção de relações sociais, políticas, econômicas, estéticas, entre outras dimensões da vida social eleitas para recorte de nossas análises sobre grupos sociais diversos, em diversos lugares no mundo, e, especialmente, o Museu Nacional enquanto espaço de produção de relações sociais, empregando nessa análise as referências que utilizamos para apresentar diferentes modos de vida social. Pensemos o museu a partir de uma orientação própria à análise etnográfica.
Para ilustrar, digo que se trata de uma
cobra mordendo o próprio rabo, uma antropofagia em primeiro grau, ou seja, nos
colocamos para sermos devorados por nós mesmas, já que nunca poderemos
controlar o devoramento de um “outro” sobre nós. Quero dizer que, se a
antropologia em suas origens coloniais tinha como missão devorar um “outro” a
ser dominado, mais objetivamente, por economias e políticas das coroas, hoje a
antropologia apreende de si a condição de objeto da análise do “outro”, assim
como, a condição de objeto de análise etnológica/antropológica.
Esta orientação mostrou-se um caminho
fértil para o desdobramento das temáticas apresentadas no quadro de temas deste
edital, pois uma antropologia antropofágica pensa-se como produção de relações
sociais, o que pressupõe, entre outras coisas, a nossa participação -
antropólogas/os, programas de pós-graduação, disciplinas, pesquisas, museus, e
todos os espaços de produção de conhecimento disciplinar - enquanto partes das
novas relações sociais que emergem dessa mistura de tradições de antropólogas e
nativas, entendendo a categoria nativa, no sentido empregado pelo professor
Eduardo Viveiros de Castro em seu texto “O nativo relativo”.
A partir de tal estratégia de análise da
produção de conhecimento temos, por um lado, nossa participação nas
transformações da vida social dos grupos com os quais vivemos; por outro, as
estratégias sociais de produção de conhecimento destes grupos enquanto parte da
orientação epistemológica, teórica e metodológica de nossa disciplina. É neste
sentido, que apresento esta proposta de debate, e inspirada numa etnografia da
“vida de laboratório”, sugiro pensarmos etnograficamente nossa orientação para
as relações sociais a partir do espaço deste Museu Nacional enquanto parte de
um conjunto de relações sociais e sociológicas mais amplas, a fim de
desdobrarmos sentidos que respondam às transformações contemporâneas que se
fazem fundamentais para a continuidade dos museus.
Coleções,
colecionadores e artes étnicas da antropologia e das/os antropólogas/os
O Museu Nacional, assim como a
antropologia, vem de uma história enraizada na estrutura e nos interesses dos
estados nacionais, desde os reinos; ainda que o sentimento que move o impulso
humano de cuidar e significar objetos e lugares tem suas referências
disciplinares mais remotas na Grécia, na Antiguidade. Na mitologia grega Museu é
poeta e músico associado ao poeta Orfeu.
Os museus modernos têm suas origens no
final do séc. XVII. O Museu de Ashmolean, http://www.ashmolean.org/ , na cidade
de Oxford, Inglaterra, criado por Ashmole, membro fundador da Real Sociedade de
Londres, é apontado como o primeiro museu e surge após quase dois séculos após o encontro
entre povos europeus e ameríndios.
No período posterior a II Guerra
Mundial, os países vencedores criaram o International Council of Museus (ICOM,
2001), em 1946, um ano após o fim da guerra, quando foram também criadas a UNESCO
e a ONU, como suas irmãs mais velhas é filho da guerra entre estados nacionais,
e está voltado para a continuidade de relações internacionais estabelecidas
desde aquele momento e a partir daqueles conflitos. O ICOM apresenta os museus
como “instituições permanentes, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e
do desenvolvimento, abertas ao público e que adquirem, conservam, investigam,
difundem e expõem os testemunhos materiais do homem e de seu entorno para
educação e deleite da sociedade”.
No Brasil, o Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, precedido pela Inspetoria de Monumentos
Nacionais e pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
respectivamente de 1933 e 1937, é o setor governamental responsável, a partir
de 1990, por uma definição voltada às noções de democracia, patrimônio e
educação, caracterizada pelo esforço por corresponder aos termos do Estado
Brasileiro enquanto eixo centralizador das expectativas para a continuidade dos
museus.
Em 1989, no texto “Os museus de história
natural e construção do indigenismo” pelo professor Antonio Carlos Souza Lima,
apresenta essa relação ancestral das coleções e do Museu nacional enquanto
parte de um projeto de produção de um capital científico através do acervo
reunido, o que caracterizou os museus de história natural, que investiam num
modelo de ciência nacional, nacionalista, a partir do exercício de controle
sobre os objetos recolhidos por viajantes.
O Instituto Brasileiro de Museus, que
também responde a expectativas institucionais, é criado recentemente, em 2009, e
apresenta outra perspectiva para a definição de museus, que se refere a uma
orientação voltada para a subjetividade da experiência social a partir dos museus,
diz: “casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e
intuições, [...] pontes, portas, janelas que ligam, [...] conceitos e práticas
em metamorfose”.
Assim sendo, o Museu Nacional apresenta
em suas origens europeias, o propósito de firmar referências para história dos
estados nacionais, respondendo especialmente a interesses de elites econômicas
que determinaram relações de guerra e paz entre estes estados, o que é evidente
na criação do Conselho Internacional de Museus após a II Guerra. Por outro
lado, buscamos ultrapassar fronteiras étnicas, impulsionadas pelo sentido
subjetivo da experiência humana, histórica, artística, científica e social,
como podemos identificar na definição apresentada pelo Instituto Brasileiro de
Museus, o que lembra sua origem ancestral-disciplinar mais remota: a poética de
Orfeu da narrativa grega.
As definições apresentadas, ambas, são
vozes de lugares específicos no contexto etnográfico/sociológico da história
contemporânea brasileira e mundial. Essa perspectiva nos leva a entender que
nossos desafios mais difíceis, nossas questões mais indissolúveis, estão em
lugares sociais presentes, porém, sem visibilidade, sem voz nesse contexto
etnográfico/sociológico. O interesse aqui é a identificação de vozes apresentadas
como parte de um coro amplo e diversificado que, em maior ou menor medida, está
entremeado pelas armadilhas antropológicas do método científico (Cardoso, 2003),
neste caso, na forma de silenciamento de vozes, sendo o que marca sua
composição são nossas estratégias econômicas e políticas para produção de
conhecimento, o que aparece na materialidade mais cotidiana da vida social que
constitui esse Museu Nacional e que é constituída por ele.
Sendo assim, tal qual Denis Tedlock
(1986) apresenta a noção de polifonia,
considerando a multiplicação das vozes nas pesquisas etnográficas, apresento - a
partir de uma observação geral nestes dias que estive acompanhando o cotidiano
de atividades no Museu Nacional, vivendo entre as relações sociais que nos
constituem enquanto grupo - uma proposta de análise a ser desdobrada num
mapeamento detalhado das relações políticas, econômicas, estéticas,
identitárias, científicas, enfim, relações sociais às quais este Museu Nacional
pertence.
Apresento esta proposta por verificar
nas etnografias reflexões e mapeamentos fundamentais para a orientação dos
grupos sociais com os quais trabalhos, são diversos exemplos de contribuições
da etnografia para a orientação da vida social dos povos, terras indígenas e
quilombolas, como por exemplo, os trabalhos realizados por laudos
antropológicos que conseguem apresentar outras epistemologias para a economia e
a política sobre a terra, e com isso defender os direitos dos povos (ver Ilka
Boaventura Leite, “Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas.”,
2000, Cadernos de textos e debates, NUER, UFSC).
A eficiência da abordagem etnográfica na
análise das relações sociais deve servir para o estudo e orientação das
relações sociais para a produção de conhecimento, tão bem o quanto tem servido
para as populações tradicionais neste momento contemporâneo, visto que esta
proposta é uma continuidade do trabalho sobre a análise da produção de
conhecimento enquanto produção de relações sociais, orientação que assumo desde
o período de meu doutoramento e que resultou numa etnografia da produção de
conhecimento em antropologia, na qual os sujeitos sociais com os quais realizo
a pesquisa reivindicam a condição de sujeitos do conhecimento antropológico, e
propõe um debate a ser apresentado a partir de relações equitativas em
pesquisa. O que gera uma reorientação epistemológica da relação sujeito-objeto
do conhecimento para ciências humanas e sociais.
Neste sentido, chamo a atenção para a
contribuição da etnografia para um Museu Nacional compreendido enquanto espaço
de produção de relações sociais, as quais convergem interesses e necessidades,
o que apontará para outras vozes na orientação de ações e debates. É possível reconhecer o eixo centralizador das
instituições, e também é possível identificar o esforço realizado para
ultrapassar as limitações dos modos mais tradicionais de orientação nas
administrações de museus. Esta apresentação esforça-se no mesmo sentido.
Longe da pretensão de esgotar
possibilidades, apresento uma visão panorâmica das vozes confluentes,
silenciadas ou com poder de decisão. Apresento os tópicos abaixo apenas como
exemplo mais objetivo da proposta de análise, pois se trata de um esboço
rudimentar de mapeamento de algumas dimensões que consigo visualizar mais
imediatamente nesse coro de vozes e que pode/deve compor uma etnografia do Museu Nacional, buscando dos acervos, seus sujeitos para contribuirem na orientação de nossos trabalhos:
1.
a
importância do Museu Nacional para nosso país, tanto em suas dimensões mais
internas, quanto em suas relações internacionais;
2.
importância deste Museu Nacional para o
continente dos povos indígenas, que além do acervo e das pesquisas
arqueológicas no país e no continente, as origens ancestrais indígenas da
população brasileira emergem hoje como referência fundamental;
3.
as
coleções voltadas à mistura entre povos que caracterizam coleções regionais
recolhidas nas diferentes regiões do país;
4.
as
coleções voltadas a migrantes de vários continentes e países do mundo;
5. identificação de um acervo regional da cidade do Rio de Janeiro, voltado, proporcionalmente ao contingente das populações afro-brasileiras, indígenas, entre outras, que viveram aqui desde o Brasil colonial, passando pela sede das coroas portuguesa e brasileira, até a criação da República.
[1] A importância
central do Museu Nacional para a ciência no país é citada por Carla da Costa
Dias na XXVI Reunião Brasileira de Antropologia, que considera como a
instituição de maior prestígio em pesquisa no país no período de 1918-1951. O
que também é inegável para todo o período que antecede o período da pesquisa,
ou seja, desde 1818, quando acontece sua criação no Passo de Santana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário