Quem somos nós se o Mundo* não acabou de ser criado?
"A voz do Povo é a voz de Deus" aprendemos com nossas mães isso. Sábias, era preciso mascarar a sabedoria para que não morrêssemos por nossa honestidade. O povo é Deus.
Os espaços para apresentarmos outras ideias, que não fossem/sejam as hegemônicas e institucionalizadas, estão passando a existir sendo respeitados, o comportamento, mais cotidiano e privado, assim como as leis, estão mudando, suponho que graças às novas condições para a comunicação, é por isso que publico essa ideia aki.
Se a voz do povo é a voz de Deus, então, o povo é Deus. Mas, nós somos o povo e não somos onipotentes, somos interagentes, interdependentes, uma multidão de criaturas criadoras, que combinam desejos, interesses, emoções.
Entendo que essa ideia de nosso poder criador humano está na filosofia da poesia indígena, em várias explicações Tukano/Dessana/Piratapuia/Tuyuka/Yepamahsã, sobre quem somos nós e de onde viemos. Está nas publicações dos "mitos" indígenas (tenho dúvida sobre a coerência da palavra mito para nominar esses conhecimentos). Dizem: "a Origem é Nossa Antepassada**, como nossas avós", e chamam-na "Avó do Mundo"!!!
A Avó do Mundo que/m criou o Primeiro Avô do Mundo, que criou muitos seres, e o importante aqui, não é a relação entre gêneros, mas a distância entre uma noção de "Deus", conforme as religiões cristãs, judaicas, muçulmanas, e a compreensão apresentada pelos indígenas sobre a Origem de tudo quê/quem existe. E é importante lembrar que ouvi diversas explicações sobre o quanto a Origem da Existência não foi uma mulher, e o quanto é associável a nós mulheres.
Para o que conheço sobre as explicações apresentadas por anciãs e anciãos indígenas, o que tive a oportunidade de conhecer dito da boca de Pajés, sobre a Origem no passado, e as explicações ressaltam: "como as mães de nossas mães, nos criam, nos geram, passamos a existir através delas".
Para as religiões, diferente da compreensão indígena que conheço, a noção de "Deus", como criador original, é transcendental à existência material, não está no passado. Para essas religiões nossa condição é diferente da condição da origem do que somos.
Pois bem, na explicação indígena somos descendentes dessas "divindades" (conforme mais comumente traduzido nos compêndios de Antropologia, mas os indígenas que conheci traduziram por "antepassadas", apesar das insistentes interlocuções "brancas", que insistem em dizer que Ye'Pa´ é uma "divindade", tentando confortar o pensamento cristão no pensamento indígena) somos Criadoras/es também!
Isso, no meu entendimento coerente, diferente da criação do Deus cristão, extraordinário, transcendental, parece incoerente, além de ser onipotente, onisciente, onipresente, antagonizando nossa vida ordinária, finita, nossa impotência e falta de consciência.
O Mundo. no presente, na explicação indígena, é a evidente continuidade de criações, desde a Origem até o Presente que está sendo criado por Nós (no plural), AGORA!
Ouvi a afirmação: "O Mundo não acabou de ser criado, está sendo criado neste momento, e nós o estamos criando", do Kumu Gabriel dos Santos Gentil, que transcreveu e traduziu gravações das falas de anciãos, feitas pelos padres salesianos ainda na primeira metade do séc XX. Ora, ora, concordo! Além de entender que este lugar de criação para todas é politicamente relevante para minhas expectativas pessoais.
[ O oráculo chinês, I Ching, fala em transformações, em Yin e Yang, duas fontes para a criação de tudo o que existe, suprime uma origem única como parte das transformações e, na condição de transformação e não de criação, marca a diferença fundamental: para os chineses a transformação não pressupõe nossa ação criadora como continuidade da Existência, no entanto, busca a compreensão sobre esse Universo de Mutações, de modo a simultaneamente orientar nossa vida social, que é apresentada em dimensões diversas da relação entre essas duas forças Yin e Yang]
A contemporaneidade da criação, segundo os indígenas que conheci e li, parece, sim, com as teorias mais "modernas" sobre o universo em plena expansão; e nossa antepassada primordial é mais traduzível por "bigbang", do que por "Deus" cristão. O "bigbang" é nosso antepassado, e os cientistas "pós-modernos", apesar da dificuldade em entender a Humanidade em seus trabalhos, sob essa perspectiva, estão mais próximos da compreensão indígena "são mais nossos parentes", do que monoteístas dessas religiões que foram/são importantes por ali, entre Europa e Ásia.
É bom lembrar também que para as filosofias indígenas, animais, nuvens, árvores, mares, rios, pedras e estrelas são sujeitos, e isso significa que criamos como Humanidade, mas que existem outras forças em relação.
Essa compreensão a mim parece tão óbvia, tão evidente, e satisfatória, é, ao mesmo tempo, simples e amorosa. Ouso afirmar que o caminho para acessar algum conhecimento deve, antes, estar sedimentado numa espécie de amor pela Humanidade, como se os sentimentos fossem portas de acesso à compreensão, impossível de acessar no confinamento da compreensão macro física e todos seus aparatos metodológicos para o controle sobre as experiências, o que justificou teorias até a primeira metade do séc XX, sem oposição crítica respeitável.
Assim sendo, rendo-me ao calor da fogueira, a Tembo, à Ye'Pá, à Finitude e à Eternidade, diante de mim e das estrelas, por Amor.
** existem diferentes versões para a origem, alguns em uma origem feminina, outros em uma origem hermafrodita, e outros em uma origem masculina. No entanto, ouvi dos indígenas com os quais trabalhei que a ênfase na origem masculina estava relacionada à perseguição dos padres contra as origens hermafrodita e mulher, especialmente quando as casas comunais eram construías inspiradas nessas formas (e minha referência para análise são as formas, não a ideia de "espíritos"). Ver "Mito Tukano: 4 Tempos de Antiguidades" de Gabriel dos Santos Gentil.
* por gentileza, compreender que Mundo, com inicial maiúscula, é uma tentativa de legitimar um modo indígena de expressão para a noção de Cosmos, com a diferença de que a noção de "Cosmos" tem apreendido apenas a física, sem incorporar a esta noção a interagência da consciência humana. A Ciência indígena se destaca por esta diferença epistemológica.
[perdoem a falta de revisão "os dias eram assim"]
"A voz do Povo é a voz de Deus" aprendemos com nossas mães isso. Sábias, era preciso mascarar a sabedoria para que não morrêssemos por nossa honestidade. O povo é Deus.
Os espaços para apresentarmos outras ideias, que não fossem/sejam as hegemônicas e institucionalizadas, estão passando a existir sendo respeitados, o comportamento, mais cotidiano e privado, assim como as leis, estão mudando, suponho que graças às novas condições para a comunicação, é por isso que publico essa ideia aki.
Se a voz do povo é a voz de Deus, então, o povo é Deus. Mas, nós somos o povo e não somos onipotentes, somos interagentes, interdependentes, uma multidão de criaturas criadoras, que combinam desejos, interesses, emoções.
Entendo que essa ideia de nosso poder criador humano está na filosofia da poesia indígena, em várias explicações Tukano/Dessana/Piratapuia/Tuyuka/Yepamahsã, sobre quem somos nós e de onde viemos. Está nas publicações dos "mitos" indígenas (tenho dúvida sobre a coerência da palavra mito para nominar esses conhecimentos). Dizem: "a Origem é Nossa Antepassada**, como nossas avós", e chamam-na "Avó do Mundo"!!!
A Avó do Mundo que/m criou o Primeiro Avô do Mundo, que criou muitos seres, e o importante aqui, não é a relação entre gêneros, mas a distância entre uma noção de "Deus", conforme as religiões cristãs, judaicas, muçulmanas, e a compreensão apresentada pelos indígenas sobre a Origem de tudo quê/quem existe. E é importante lembrar que ouvi diversas explicações sobre o quanto a Origem da Existência não foi uma mulher, e o quanto é associável a nós mulheres.
Para o que conheço sobre as explicações apresentadas por anciãs e anciãos indígenas, o que tive a oportunidade de conhecer dito da boca de Pajés, sobre a Origem no passado, e as explicações ressaltam: "como as mães de nossas mães, nos criam, nos geram, passamos a existir através delas".
Para as religiões, diferente da compreensão indígena que conheço, a noção de "Deus", como criador original, é transcendental à existência material, não está no passado. Para essas religiões nossa condição é diferente da condição da origem do que somos.
Pois bem, na explicação indígena somos descendentes dessas "divindades" (conforme mais comumente traduzido nos compêndios de Antropologia, mas os indígenas que conheci traduziram por "antepassadas", apesar das insistentes interlocuções "brancas", que insistem em dizer que Ye'Pa´ é uma "divindade", tentando confortar o pensamento cristão no pensamento indígena) somos Criadoras/es também!
Isso, no meu entendimento coerente, diferente da criação do Deus cristão, extraordinário, transcendental, parece incoerente, além de ser onipotente, onisciente, onipresente, antagonizando nossa vida ordinária, finita, nossa impotência e falta de consciência.
O Mundo. no presente, na explicação indígena, é a evidente continuidade de criações, desde a Origem até o Presente que está sendo criado por Nós (no plural), AGORA!
Ouvi a afirmação: "O Mundo não acabou de ser criado, está sendo criado neste momento, e nós o estamos criando", do Kumu Gabriel dos Santos Gentil, que transcreveu e traduziu gravações das falas de anciãos, feitas pelos padres salesianos ainda na primeira metade do séc XX. Ora, ora, concordo! Além de entender que este lugar de criação para todas é politicamente relevante para minhas expectativas pessoais.
[ O oráculo chinês, I Ching, fala em transformações, em Yin e Yang, duas fontes para a criação de tudo o que existe, suprime uma origem única como parte das transformações e, na condição de transformação e não de criação, marca a diferença fundamental: para os chineses a transformação não pressupõe nossa ação criadora como continuidade da Existência, no entanto, busca a compreensão sobre esse Universo de Mutações, de modo a simultaneamente orientar nossa vida social, que é apresentada em dimensões diversas da relação entre essas duas forças Yin e Yang]
A contemporaneidade da criação, segundo os indígenas que conheci e li, parece, sim, com as teorias mais "modernas" sobre o universo em plena expansão; e nossa antepassada primordial é mais traduzível por "bigbang", do que por "Deus" cristão. O "bigbang" é nosso antepassado, e os cientistas "pós-modernos", apesar da dificuldade em entender a Humanidade em seus trabalhos, sob essa perspectiva, estão mais próximos da compreensão indígena "são mais nossos parentes", do que monoteístas dessas religiões que foram/são importantes por ali, entre Europa e Ásia.
É bom lembrar também que para as filosofias indígenas, animais, nuvens, árvores, mares, rios, pedras e estrelas são sujeitos, e isso significa que criamos como Humanidade, mas que existem outras forças em relação.
Essa compreensão a mim parece tão óbvia, tão evidente, e satisfatória, é, ao mesmo tempo, simples e amorosa. Ouso afirmar que o caminho para acessar algum conhecimento deve, antes, estar sedimentado numa espécie de amor pela Humanidade, como se os sentimentos fossem portas de acesso à compreensão, impossível de acessar no confinamento da compreensão macro física e todos seus aparatos metodológicos para o controle sobre as experiências, o que justificou teorias até a primeira metade do séc XX, sem oposição crítica respeitável.
Assim sendo, rendo-me ao calor da fogueira, a Tembo, à Ye'Pá, à Finitude e à Eternidade, diante de mim e das estrelas, por Amor.
** existem diferentes versões para a origem, alguns em uma origem feminina, outros em uma origem hermafrodita, e outros em uma origem masculina. No entanto, ouvi dos indígenas com os quais trabalhei que a ênfase na origem masculina estava relacionada à perseguição dos padres contra as origens hermafrodita e mulher, especialmente quando as casas comunais eram construías inspiradas nessas formas (e minha referência para análise são as formas, não a ideia de "espíritos"). Ver "Mito Tukano: 4 Tempos de Antiguidades" de Gabriel dos Santos Gentil.
* por gentileza, compreender que Mundo, com inicial maiúscula, é uma tentativa de legitimar um modo indígena de expressão para a noção de Cosmos, com a diferença de que a noção de "Cosmos" tem apreendido apenas a física, sem incorporar a esta noção a interagência da consciência humana. A Ciência indígena se destaca por esta diferença epistemológica.
[perdoem a falta de revisão "os dias eram assim"]
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